Sorte no jogo e no amor: Telma Miranda e sua vida ao lado de Zelito

Em um bate-papo descontraído, Telma Miranda, esposa e empresária de Zelito Miranda nos apresenta algumas histórias que viveu junto ao forrozeiro.

Marcelo Costa e Verena Guimarães

Foto: Acervo Pessoal

Telma Miranda (59), foi a grande parceira do forrozeiro Zelito Miranda e esteve ao seu lado durante mais de 40 anos. A união dos dois era extraordinária, o que refletia não só na vida e no amor, como também na carreira e nos negócios. Nesta entrevista ela conta como foi conhecer Zelito, acompanhar e fazer parte do seu crescimento na música e também os planos futuros para manter a chama do legado de Zelito acesa!

Os dois se conheceram em 1982, em Salvador, que vivia um cenário efervescente influenciado pela contracultura e pelo movimento hippie, com muitas produções para acompanhar. Foi através de idas e vindas entre a Escola de Música da UFBA e a antiga Faculdade de Comunicação, no Canela, que Telma estava sempre cruzando os caminhos e trocando olhares com o cabeludo. Tempos depois, indo prestigiar um espetáculo, ela reconheceu o violonista, membro da banda que fazia a trilha sonora da peça ao vivo. Era Zelito!

“[A gente] vivia muito nesse momento “New Hippie” que existia em Salvador dos anos 80, né? Que você era paz e amor, fazia macrobiótica, ia muito teatro, vivia ali na Praça da Piedade com os poetas [...] Então eu vivia intensamente nesse ambiente cultural, terminando o colégio ainda, né? Coincidentemente na nossa rua foi morar a Sueli Oliveira. Sui era atriz e teve o lançamento da peça dela de formatura e ela convidou eu e Cida para irmos assistir, e claro que a gente ia, mesmo que não fosse convidada, a gente estaria lá, de carteirinha! Zelito tocava nessa peça. Chegando ali, eu vi que aquele rapaz que estava tocando era aquele que eu tinha visto lá na rua. Encontrava ele vindo e a gente se cruzava, se olhava… a gente não se falava, mas se atraía, né? A gente achava interessante um ao outro. Ficava na memória, mas a gente não tinha tido a oportunidade de conversar nada, só se olhava.”

O tempo entre a troca de olhares, serem oficialmente apresentados após o espetáculo e iniciarem um relacionamento durou alguns alguns meses. Dali em diante, o resto é história! Suas vizinhas de rua e amigos de infância foram Cida Tripodi e Alberto Tripodi, produtor da banda Novos Bárbaros e um dos grandes nomes na popularização do carnaval da Bahia. Pela proximidade e por já fazer parte desse circuito, Telma começou a trabalhar na produção da banda. Paralelamente, seu relacionamento com Zelito ia de vento em popa!  Sempre juntos, Telma estava ao seu lado durante a gravação do CD Barra Nova, primeiro álbum de estúdio de Zelito, anos antes da sua transição definitiva para o Forró.

“Eu comecei a trabalhar com o Zelito no momento que ele estava gravando o disco lá no estúdio WR. Tinha que lançar o LP, e eu estava envolvida com ele. Ia sempre para o estúdio, dava opinião de alguma coisa e outra. Porque eu gostava de música, entendia daquilo, falando como ouvinte, que a gente acaba dando palpite. Como ele me buscava muito para conversar sobre os detalhes técnicos, eu fui aprendendo a ouvir e a entender aquelas mixagens nas madrugadas dentro do estúdio, né?”

Zelito confiava bastante em suas opiniões, não só como ouvinte, mas também como profissional, e assim ela participou na produção do show de lançamento. Foi neste momento que a chave virou!

“E aí começou a produção, vamos fazer, lançar aonde? [...] Surgiu a ideia de se fazer o lançamento num circo que tinha ali na Ondina. Era um circo era só de música, de teatro, não era circo de vida circense mesmo. E a ideia foi fazer o lançamento desse disco lá por ser um espaço alternativo, diferente, como o Zelito sempre foi e sempre gostou.”

Durante este processo, vendo que a união dos dois dava liga e que os conselhos e ações de Telma trouxeram um resultado super positivo, Zelito a convidou para estender a união dos dois para os negócios. Ela se tornou oficialmente sua produtora e empresária, trabalhando na gestão dos projetos e da carreira do artista. Após o lançamento do CD, Zelito foi chamado para rodar o país com o projeto Pixinguinha Nacional, junto a Belchior e outros cantores, em uma série de shows com um artista principal e outros músicos de diferentes regiões do Brasil. Após essa turnê, chegaram a conclusão que só cantar música popular não era o suficiente, o talento de Zelito merecia e deveria chegar para mais pessoas. Mesmo lotando bares e casas noturnas pela cidade e tendo um nome em Salvador, Telma e Zelito sabiam que era necessário dar um novo passo na carreira.

“Então bora fazer, bora fazer Forró, porque MPB só não rola não, as contas chegam e tudo. Tem que investir no próprio show, não dá pra ficar só de barzinho. Ele já fazia bastante e começou a cantar forró nos barzinhos famosos da época, e lotava sempre [...] aí começou a fazer forró com sanfona, e começou a ter gosto. As raízes dele eram todas voltadas para esse estilo. O lance é que o rock chegou na vida dele, como todos os jovens passam, pela questão do viver o rock, então bandas como Led Zeppelin, sabe, ele era fã.”

A sinergia entre os dois era tamanha que os amigos costumavam dizer que eles eram “o feijão e o sonho”. Com ele sonhando e ela agindo, os planos do casal iriam (e deram!) muito certo.

“Isso foi muito espontâneo, sabe? Porque assim, os amigos mais próximos, e até os não muito próximos falaram que nós éramos o feijão e o sonho. Eu era o feijão e Zé eternamente o sonho. Eu sou muito pé no chão, sabe? Eu sou muito aventureira, sou sagitariana. O sagitariano gosta de alçar voos, de descobrir coisas. Então essa questão dele confiar em mim era muito verdadeira, entende? Ele confiava tudo em mim. Não é que ele confiava em Telma, ele confiava na nossa parceria, ele confiava que eu pensando e ele agindo as coisas dariam certo.”

Nada na vida de empreendedora foi fácil. Zelito tinha uma visão em relação a música muito moderna, entendia bastante dos processos de gravação de discos, além de ser um excelente diretor musical. Telma, uma excelente empresária, continuou trabalhando por trás dos palcos e na gestão comercial dos projetos. Um deles foi a criação do Estúdio Corsário, que ajudou a fortalecer o mercado fonográfico da Bahia, gravando álbuns de diversos artistas, como Dodô e Osmar, Armandinho e outros grupos menores. Também foi o primeiro estúdio na Bahia a realizar gravação digital.

“Nunca foi fácil, em nenhum momento foi fácil, todos os momentos que eu estive empreendendo alguma coisa, tanto no estúdio quanto na carreira de Zelito, entendeu? Continuar com a faca no dente, como diz, né? Contando parece muito fácil, mas tive mesmo que ir pra cima, com muita força, com muita determinação e conseguir realizar. Nada foi fácil, manter o estúdio, criar o estúdio não foi fácil, né? Porque a concorrência era acirrada. A gente teve que correr mesmo, querer fazer, ter força, trabalhar de manhã, tarde, noite, sábado, domingo, não tinha férias, entendeu? Nunca houve isso.”

Zelito fazia amizade com todo mundo. Essa facilidade com que ele se conectava com as pessoas era percebida por Telma, já que isso influenciava a produção do forrozeiro.

“É uma sensibilidade que ele tinha com as pessoas muito grande, a gente percebe assim quando vê, né? Zé, é exatamente isso que vocês estão falando. Ele tinha essa sintonia com as pessoas, quando ele gostava de uma pessoa pronta, ele ficava amigo ali, sabe? Zelito gostava muito de conversar. E então, nesse convívio ele se envolvia muito e gostava, e interferia muito na música dele, na criação dele, no linguajar dele, na vivência dele, interferia diretamente, com muita força, porque como ele era muito sensível, as portas eram muito abertas do ser, era muito aberta e tudo que chegava impactava nele.”

Apesar de não conseguirem separar muito a vida pessoal da profissional, já que estavam sempre juntos, para Telma, o que funcionava era separar o artista da arte.

“Ele não era aquele personagem chato, insuportável, que muitos artistas não descem do salto e pensam que estão no palco o tempo todo. Ele era um artista o tempo inteiro, porque pra ele tudo fazia parte da arte, tudo fazia parte da criação, do viver a arte. Então, isso era uma parte muito difícil no nosso relacionamento, porque vinha pra dentro de casa todos os problemas, as dores e as alegrias, sempre foi assim. A gente não conseguia dividir, porque era tão misturado, era tão junto tudo, que não tinha como a gente separar. A gente era o tempo todo. Eu consegui somente distanciar o artista da arte, o Zelito artista e o Zelito de casa. Isso eu consegui, né? Saber quem era quem e me posicionar com esse formato.”

A transição de Zelito para o Forró impactou bastante a realidade do ritmo no estado. Telma fez parte dessa mudança, vendo de perto o São João da Bahia se transformar.

“Zelito Miranda é o divisor de água do forró da Bahia. Naquele momento, fazer forró na Bahia era brega, era uma coisa que ninguém curtia, era uma coisa que não valia a pena, certo? Mas só que sempre foi muito rico. Shows de forró nas casas noturnas em Salvador enchiam, pois tinha uma geração que sentia falta desse forró em Salvador.”

Para Telma, o São João é o natal nordestino, e ela é parte essencial do que ajudou a tornar Zelito a figura que ele é hoje, pois esteve do seu lado a maior parte de sua vida. Mesmo com a sua partida, ela conta que já tem planos para manter o legado de Zelito vivo.

“Além dos shows em tributo, começo depois de julho a fazer um documentário, que eu quero lançar no ano que vem. Também quero fazer um musical de teatro.  Eu não paro de pensar! Zelito deixou três livros escritos, prontos, finalizados, que eu vou publicar, além de outros não finalizados.”